#3 Uma viagem (breve) no literário

Heloisa Mazzolin Sorrilla
4 min readDec 29, 2020

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Bom dia, boa tarde ou boa noite a você que espreita meus escritos de sua tela!

Como já não é novidade a quem acompanhou meus dois devaneios escritos que já foram postados por aqui, sigo em uma jornada de publicações para a disciplina “Discurso Literário: criação, edição e consumo”. Em minha última publicação trouxe a noção de objeto editorial e contei um pouco sobre o objeto que viso reeditar como trabalho final da disciplina.

*Okay, okay, não vou negar que fui negligente com você, queride leitorie! A vida tem estado um caos e o final de ano traz muitas reflexões doidas (e doídas). Mas cá estou eu novamente pra te contar um tico mais sobre o meu processo!*

Para a reflexão de hoje eu te convido a dar dois passos para trás, respirar fundo e pensar em algo que eu acredito, de certa forma, ser anterior ao que já conversamos: pra você, o que define e constitui o literário?

A movimentação de pensar no literário, pra mim, entra naquela caixinha das reflexões sobre conceitos que são comuns ao nosso vocabulário, mas que quando alguém nos pergunta “o que é?”, a gente trava e não consegue responder muito além dele mesmo. *Literatura? Ah, cê sabe, né? Literatura é literatura!*. Não há dúvidas de que o literário pertence de maneira mais que digna a essa caixa de conceitos que nos travam, pois é extremamente amplo. Somos muitos falantes, com muitas ideias. A fala e os formatos de comunicação que nos tangenciam são heterogêneos, não seria de se esperar menos da expressão literária!

Também não há dúvidas de que pode-se partir de muitos caminhos e ideias para se entender o fenômeno literário, entretanto, como forma (ou tentativa) de dar seguimento às reflexões traçadas em aula, busco trazer aqui uma construção da ideia do literário baseada no discurso literário e no que se pode apontar como especificidades do regime literário.

Esse é o momento em que você pode estar pensando “Helô do céu, que cê tá falando?”. Vamos com calma, dando passinhos de bebê!

Para dar o passo inicial, acho importante explicar: por que nos valeremos da terminologia de discurso literário?

Em Discurso literário (2006), Dominique Maingueneau — basicamente todas as reflexões traçadas aqui são e serão baseadas nos conceitos desse cara, então fica de olho nele — nos traz a ideia de como o literário pode ser encaixado em um âmbito discursivo, de forma que se possa e pretenda analisar os espaços em que as materializações desse literário se proliferam, onde são produzidas, quem as administra, no que implicam e assim por diante. Tendo em vista que nossa ideia central na disciplina é pensar no Discurso Literário e nessas suas características compositoras, nada mais justo do que começarmos uma familiarização com ele em nossas reflexões e análises, certo?

Tendo passado pela questão da noção de discurso literário, podemos pular para outra ideia importante para a reflexão de hoje: o que seriam essas especificidades do regime literário?

Pensar em características específicas ao regime literário, seria, de forma geral, observar e refletir sobre o que é comum às produções e que as coloca na posição de literárias. Para isso podemos pensar em três características:

  • o modo de estabelecer uma certa relação com a língua
  • uma certa forma de textualizar
  • uma certa produção de subjetividade

Nos escritos de hoje me basearei apenas na primeira das três características (mas já pode preparar o coração, porque nas próximas publicações eu prometo te trazer mais sobre as outras duas características) e, pra que a gente entenda junte esse “modo de estabelecer uma certa relação com a língua”, eu preciso te contar sobre um outro rolê: a interlíngua.

Partindo do pressuposto de que vamos observar como é estabelecida a relação com a língua no discurso literário, precisamos entender, a princípio (e como eu já havia brevemente comentado), que não há uma língua única, concreta e homogênea, mas registros diversos que são efetivamente postos a uso com suas marcas pretéritas e suas inovações acordadas entre os locutores de uma comunidade discursiva. Consideremos a língua um conjunto de diversos registros mobilizados por determinada comunidade.

Beleza! Agora que já temos uma ideia de língua, podemos partir pra interlíngua!

Falar de uma interlíngua é tratar de um trabalho literário com a língua de escavação de um hiato irredutível, ou seja, é a busca por um registro, um modo de dizer, que será utilizado de forma única e muito diferente daquele que seria considerado usual (a maneira como todos falam).

Se considerarmos a noção exposta de interlíngua, podemos construir uma ideia de discurso literário como o lugar onde as coisas são ditas como se não houvesse outra forma de dizê-las, sendo aquela a melhor forma, mais compatível ao meio em que ela se instaura, construindo um posicionamento, uma maneira singular de gerir a interlíngua. E se afirmamos que o discurso literário diz respeito a uma gestão da interlíngua de forma única, a literatura implicaria, então, na construção de um campo cujos códigos linguageiros soam tão singulares que não parecem passíveis de paráfrase.

Assim, de forma geral e objetiva, uma das grandes e principais características que define o literário é a forma como ele seleciona os usos da língua na hora de se expressar, ou seja, é a forma como é realizada a escolha de uma interlíngua, única e insubstituível.

E apesar de eu ter buscado traçar o literário de forma um tanto quanto teórica ao longo dessa pequena reflexão, a fala que melhor cabe a meu ascendente em câncer (e que eu de fato creio que sintetiza muito da tentativa de teorização) é: sabe algo te toca de uma forma tão singular, que se mudasse um “a” não faria mais sentido? Pois bem, o que te gera essa sensação é o literário que te sondas!

MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Trad. Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006.

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