#4 Textos: o que e como são?

Heloisa Mazzolin Sorrilla
4 min readDec 29, 2020

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Bom dia, boa tarde ou boa noite a você que espreita meus escritos de sua tela!

Se me acompanhou pelas últimas publicações feitas aqui, sabe que esses textos fazem parte de um projeto para a disciplina “Discurso Literário: criação, edição e consumo” no qual exercito minha escrita e reflito sobre os conceitos trabalhados em aula os expondo a você, queride leitorie, como forma de construir ideias sobre a teoria, para além dos links de gravação.

Em minha última publicação trouxe à tona um questionamento e uma possível definição do discurso literário baseada em especificidades do regime literário, uma reflexão sobre o que é comum às produções discursivas e que as torna literárias. Es apontei três características base: o modo de estabelecer uma certa relação com a língua; uma certa forma de textualizar; e uma certa produção de subjetividade. Trabalhamos com a primeira dessas características partindo da ideia de interlíngua, lembra? E hoje, como o prometido, daremos um passinho a mais nesse caminho falando sobre uma forma de textualizar. Então já corre buscar seu chá, café, água com limão ou o que estiver na vibe e cola comigo que eu te conto mais sobre esse rolê!

Para dar o pontapé inicial em nossa viagem, pensando de forma geral, o que seria o texto e o textualizar?

Na última publicação já comentei um tico sobre o texto enquanto uma forma única de uso/manuseio da interlíngua. O textualizar seria então o processo de tornar um texto, enunciação.

E o que isso tem a ver com o que estamos traçando a respeito do regime literário, Helô?

Tudo, meu dengo! Olha só: quando falamos sobre interlíngua eu te contei sobre como é construída uma certa relação com a língua nos discursos literários. Quando pensamos no texto em si e em uma forma de textualizar, estamos convertendo essa relação com a língua a algo mais concreto: a produção de um enunciado.

Eis que Maingueneau (boto fé que você já ouviu esse nome por aqui, toda essa viagem é baseada nas propostas dele), propõe uma perspectiva de observação do texto como cenografia. Normalmente pensamos na cenografia como a produção de cenários, de cenas, geridos(as) por algo. O texto enquanto cenografia anda mais ou menos por esse caminho também! A cenografia (se essa terminologia estiver um tanto confusa, pense em “texto” no lugar) é um trabalho de construção na língua, de produção e desenvolvimento de uma história, de uma discursividade. Mas como toda produção discursiva (tendo em vista que ainda estamos falando de características do discurso literário), essa cenografia não é totalmente livre, muito pelo contrário, há uma constante gestão de forças do sistema (sejam pessoas, instituições, e assim por diante) sobre essas produções. Podemos pensar, então, no texto como uma cenografia que gere as interlínguas de uma determinada forma para produzir conteúdos, e é gerida por certas coerções do sistema.

Até aí tudo chique show, né?

Mas o trabalho de Maingueneau, além de pensar no texto como cenografia, vai ser o de nos mostrar como vão atuar essas forças do sistema nos processos de produção e materialização das cenografias. E para isso ele irá se valer do conceito de cenas da enunciação, que, de maneira geral, representa a materialização dessas cenografias (a textualização, transformação do texto em enunciação).

As cenas da enunciação serão compostas de três aspectos: a cena englobante, a cena genérica e a cenografia em si. A cena englobante vai dizer respeito ao tipo de discurso de que se valerá a produção (aí entram as forças que regem essas produções. É um discurso religioso? Ou político? Ou educacional?), já a cena genérica vai dizer respeito aos gêneros do texto, da cenografia (aí entram as regras e pactos gerados pelas forças regentes dessas textualizações sobre seus modelos). Uma cena englobante pode ter muitas cenas genéricas e juntas, a cena englobante e a cena genérica formam o quadro cênico.

E quanto à cenografia?

A cenografia é aquilo que já afirmamos como texto ou como textualização. A cenografia vai ser o resultado desse processo produtivo, o próprio texto criado que será diretamente apresentado aos leitories. É na cenografia em que se atua a subjetividade das produções.

Parece complexo, mas vamos pensar nisso na prática pra ver se faz mais sentido.

Utilizando o meu objeto editorial (o que apresentei pra vocês na minha segunda publicação) como exemplo para o nosso exercício, podemos pensar na cena englobante como o próprio discurso literário. Quanto à cena genérica, ou seja, o gênero da obra, podemos afirmar que é um romance do realismo brasileiro. Esse seria então o quadro cênico da obra. Já a cenografia seria ela mesma (própria obra), a edição de “O Ateneu”, de Raul Pompéia, publicada pelo Jornal Estadão em sua “Coleção Vestibular”, da forma como chega até nós leitories.

Podemos pensar nesse modelo de cenografia muito além do discurso literário, conseguindo aplicá-lo em outros discursos que nos tangenciam constantemente. Faça o teste e tente pensar no quadro cênico das inúmeras cenografias ao seu redor!

MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Trad. Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006.

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