#5 Um “adeus” ao Autor de Oz

Heloisa Mazzolin Sorrilla
5 min readJan 10, 2021

--

Bom dia, boa tarde ou boa noite a você que espreita meus escritos de sua tela!

Comecei minhas publicações aqui no Medium es dizendo que traçaríamos uma jornada através da editoração e dos discursos literários como forma de construção de conhecimentos sobre a disciplina Discurso Literário: criação, edição e consumo, ofertada neste semestre remoto, para além do que pensamos nas “aulas”. * Deixo aqui o termo entre aspas não por não crer na didática da disciplina ou algo do tipo, muito pelo contrário, tenho amado os conteúdos passados e a forma como nos têm sido apresentados! Mas, como já, inclusive, discutimos na matéria, a cenografia que produzimos no Google Meet é bem distante da que construiríamos em um modelo presencial de ensino, o que dificulta um pouco a tarefa de encontrar uma denominação para esse novo modelo de construção de conhecimento.*

Se você, queride leitorie, me acompanhou ao longo das minhas últimas quatro publicações, tem uma certa ideia de que o “X” do mapa está a alguns passos e logo essa nossa odisseia teórica tristemente chegará ao fim. Mas antes que choremos pelo copo de leite que ainda bambeia na beirada da mesa, vamos pensar mais um tiquinho nos conceitos que estivemos tratando nas últimas semanas por aqui!

Há um tempinho estamos falando dos aspectos do discurso literário que os tornam, justamente, discursos literários. Apresentei a vocês uma ideia de construção do discurso literário que partia de um regime baseado na presença de três características: o modo de estabelecer uma certa relação com a língua; uma certa forma de textualizar; e uma certa produção de subjetividade. Já falamos dos dois primeiros tópicos por aqui e, hoje, como esperado pela sequência dos fatos apresentados, vamos falar sobre o terceiro e último elemento dessa tríade: a produção de subjetividade que aqui eu vou chamar de questão autoral. Bora?

Antes, devo avisá-le que esse vai ser um daqueles textos que quebram frente aos nossos olhos algo que a gente já acreditou piamente. Quer ver só?

Eu aposto que você já leu algo tão bom que, logo que terminou (ou até mesmo antes disso), correu pra ver quem era o autor/a autora/e autorie da obra e assim que descobriu, colocou essa pessoa numa caixa de divindade ou ao menos de alguém que conquistou sua admiração, não é mesmo? Eu mesma já fiz isso zilhões de vezes!

Okay? Okay. Agora você deve estar se perguntando: mas que raio de crença minha ela tá querendo quebrar com essas falas aí?

A grande questão por trás de tudo isso é que a autoria é, na realidade, uma construção. Ou seja, a mágica do livro que te encanta nas leituras não está unicamente nas mãos de um ser de conhecimento holístico intitulado autor. Esse grandioso ser é na verdade uma pessoa “comum” (sendo a ideia do termo não a de deslegitimar o processo criativo de um autorie, mas sim de torná-le alguém como nós e comum a nós, mortais), com suas características próprias, que cria e possui um apoio de cocriação no processo produtivo de uma obra.

E, veja bem, eu disse que o processo produtivo não está unicamente na mão desse ser (pessoa), pois a questão autoral também diz respeito a gestos pessoais e a uma forma de escrever ligada a gestão pessoal da escrita pelo autor (por exemplo, se o autor é nascido na contemporaneidade, suas obras serão publicadas em um determinado momento histórico, com determinadas circunstâncias), só não a elie sozinhe!

Mas vamos com calma! Antes de mais nada, o que seria então dizer que a autoria é uma construção e que possui cocriações?

Segundo Maingueneau, ao invés de um autor mágico, dono de um dom de fora do planeta, irá haver, na questão da autoria, uma figura paratópica, uma construção que contempla de elementos do autor, mas não apenas dele e de uma gestão pessoal de sua parte, como também de um modo de escrever e de uma gestão social de circulação e alcance dessa obra, pois, apesar do autor ser um elemento central e de extrema importância à obra, a escrita do autor não é o suficiente para que se produza uma obra reconhecida, que irá alcançar um público e ser retomada em discussões.

De maneira geral, a construção da obra vai ter elementos pessoais, mas não será constituída apenas através do olhar do autor. Também terá elementos sociais e uma determinada forma de escrita, mas, mais uma vez, não se baseará apenas nessas características. É um grande ser e não ser composto de três instâncias que atuam concomitantemente e variam de caso em caso (ou, no caso, obra em obra) podendo ser desiguais (em alguns casos uma das três instâncias se destaca em relação a outras, por exemplo), mas ainda assim necessitam uma da outra para que o todo funcione.

Essas três instâncias, compositoras da autoria, serão apontadas por Maingueneau como:

  • Pessoa
  • Escritor
  • Inscritor

A primeira das três já se entrega por sua própria denominação! A instância pessoa nada mais é do que a própria pessoa! Aquela pessoa empírica por trás dos textos, que possui sua vida e que trabalha com o aspecto da gestão pessoal da obra. Como exemplo, penso aqui em meu objeto editorial: a pessoa, no caso, seria o autor Raul Pompéia, nascido em 12 de abril de 1863, em Jacuecanga, município de Angra dos Reis/RJ, leitor em diversas línguas e por aí vai.

Já a característica escritor designa o autor e sua expressão enquanto uma peça dentro do sistema literário, que sofre movimentações e possui uma determinada trajetória. Seguindo o raciocínio em relação ao meu objeto, a instância escritor implicaria na carreira de Raul Pompéia enquanto um grande nome do Realismo Brasileiro, que marcou a literatura da época com publicações.

Quanto a característica de inscritor, para que pensemos nela, acho importante que antes recordemos brevemente de algo exposto aqui em minha última publicação. Falei com vocês sobre um tal quadro cênico e uma cenografia, lembra? O quadro cênico (composto por cena englobante + cena genérica) dizia respeito ao tipo de discurso e ao gênero de construção da obra. Já cenografia era, de forma geral, a obra em si, a textualização, que chegava até você, na qual situava-se a subjetividade da produção. Pois bem, pensar na instância inscritor é pensar um pouco no quadro cênico e nas pessoas que atuarão na sua construção e também na cenografia e sua inscrição de subjetividade. Ou seja, pensar nos inscritores de uma obra poderia ser considerado o ato de pensar tanto no autor quanto nos outros “coautores” que trabalham conjuntamente ao autor para o desenvolvimento da obra (capista, tradutor, revisor, entre outros muitos).

Assim, quando olhamos para uma obra, diferentemente do que muitas vezes imaginamos, muitas outras ideias, produções e criações estão ali além das da pessoa com a fotografia na contracapa!

MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Trad. Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006.

--

--